quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Re: Por que nerds não são populares

Paul Graham responde perguntas e comentários sobre seu famoso ensaio. O original está aqui.

Este texto só é inteligível se você tiver lido este outro. Com a palavra, Paul Graham.

Re: Por que nerds não são populares

Muita gente me escerveu comentando " Por que nerds não são populares", e muitos mais parecem estar postando sobre o artigo em vários sites da web. Aqui vão as respostas para alguns pontos que levantaram.


Não era assim na minha escola.

Alguns de meus amigos que frequentavam escolas particulares ou uma das poucas e realmente boas redes de ensino público dizem que as coisas eram diferentes para eles.

O que estou falando neste ensaio é da situação nas escolas públicas secundárias americanas médias. Sinto-me seguro de entender do assunto, porque as frequentei.

O mais assustador é que as escolas que frequentei talvez estivessem acima da média. Meus pais escolheram o subúrbio onde morávamos porque dizia-se que as escolas eram boas. (Enquanto imigrantes recém-chegados da Inglaterra, eles não tinham ideia do quão ruim "boas" significava.)


Eu conheci jovens inteligentes que não eram nerds.

Jovens inteligentes não necessariamente viram nerds. Se você tem boa aparência, é um atleta nato ou irmão de um jovem popular, você automaticamente será popular. Mas a maioria dos garotos populares não ganha este brinde. Eles têm que trabalhar para serem populares. E se você for interessado em, digamos, Física, não terá tempo para tanto.

Também acho que meninas têm menos propensão a virarem nerds do que meninos de mesmo nível intelecutal, possivelmente por serem mais sensíveis às pressões sociais. Na minha escola, pelo menos, as meninas faziam mais esforço para se enquadrarem do que os meninos.


As coisas são diferentes agora. Hoje em dia é maneiro ser um renegado.

Na minha escola, era maneiro ser um certo tipo de renegado, mas não um nerd. Um cara que fosse alto com os ombros largos e se vestisse bizarramente como sinal de rebeldia era maneiro. Um cara que fosse pequeno, com o queixo para dentro e grandes óculos, que se vestia bizarramente porque sua mãe escolheu suas roupas, não era. Imagino que ainda seja assim hoje.


Os cérebros dos jovens inteligentes são diferentes?

Algumas pessoas disseram que talvez haja algo neurologicamente diferente nas pessoas inteligentes, isto é, o motivo para que os garotos inteligentes passem seu tempo lendo livros em vez de conversar com os amigos não é tanto que eles gostem de livros, mas que não gostam de pessoas.

Neste ensaio, propositalmente evitei fazer qualquer afirmação neste sentido; simplesmente disse que eles gostavam mais de uns do que dos outros, sem tentar explicar por quê.

Pela minha experiência, eu diria que, apesar de alguns desses garotos inteligentes poderem ser autistas limítrofes, isto não explica por si só a relação inteligente/nerd, porque há também um bocado de nerds que são bastante comunicativos. De fato, um dos defeitos mais característicos dos nerds é o vício de postar em grupos de notícias.


Os nerds merecem isto.

Outra coisa que várias pessoas disseram é que os nerds merecem ser impopulares por serem tão desagradáveis. Isto costuma ser verdade. O ensaio não era sobre se os nerds merecem ou não serem impopulares, mas por que o são. Certamente, algumas das habilidades sociais que os nerds evitam aprender são habilidades genuinamente desejáveis.

Alguns nerds são insuportáveis na vida adulta adentro. Posso imaginar várias pessoas inteligentes com as quais não aguentaria conversar por mais de dois minutos. Não penso ser bom que as pessoas inteligentes às vezes sejam desagradáveis. Entretanto, sustento minha afirmação de que os nerds jogam um jogo muito mais próximo do que é jogado no mundo real. Você pode ser um completo babaca e ainda assim se sair bem no mundo real.


Nerds são impopulares porque são arrogantes.

A arrogância não deixa os jovens impopulares. Os bons atletas da minha escola eram bastante arrogantes, e ainda assim isto não feriu sua popularidade.


Escolas públicas foram feitas para serem ruins.

Muita gente sugeriu que eu lesse os artigos de John Taylor Gatto, por exemplo suas "Seis Lições sobre o Magistério".

Ronda uma idéia de que as escolas públicas são feitas deliberadamente para criar cabeças-de-vento conformistas. Não acredito nisto. Penso que as escolas públicas são apenas o que se recebe por padrão. Se você constrói um prédio gigante no subúrbio e tranca as crianças lá durante a semana sob os cuidados de uns poucos adultos sobrecarregados e, na maioria, não inspirados, você vai obter cabeças-de-vento conformistas. Não é necessário acrescentar uma conspiração.

Acho que quase tudo que está errado nas escolas pode ser explicado pela falta de qualquer força externa obrigando-as a serem boas. Elas não competem umas com as outras, exceto em esportes (nos quai elas realmente ficam boas). Os pais, apesar de poderem escolher onde morar baseados na qualidade das escolas, nunca procuram exigir mais de uma dada escola. Os departamentos de admissão das faculdades, ao invés de exigir mais das escolas secundárias, compensam ativamente suas falhas; eles esperam menos dos alunos das piores escolas, e fica por isso mesmo. Testes padronizados são elaborados explicitamente (apesar de não terem sucesso) para testar a aptidão, em vez do preparo.

A forma segue a função. Tudo evolui para um formato ditado pelas exigências feitas ali. E ninguém exige das escolas mais do que manter os jovens fora das ruas até que tenham idade para a faculdade. Então é o que elas fazem. Na minha escola, era fácil não aprender nada, mas difícil sair do prédio sem ser pego.


Por que o problema é pior nos Estados Unidos?

Estou apenas especulando aqui, mas acho que pode ser pelas redes de ensino americanas serem descentralizadas. Elas são controladas pelo conselho escolar local, que consiste de vendedores de carros que eram jogadores de football no ensino médio, em vez de um Ministério da Educação nacional, gerido por PhDs.

Não que fosse necessariamente bom para as escolas serem controladas pelo governo federal. Nos EUA, com exceção de umas poucas agências cuidadosamente isoladas, com a NSA e o CDC, pessoas inteligentes relutam em trabalhar para o governo federal. O exemplo das escolas privadas sugere que o melhor plano seria ir na direção contrária, para longe do controle governamental.


E que tal o ensino doméstico?

O ensino doméstico oferece uma solução imediata, mas talvez não seja a melhor. Por que os pais não educam seus filhos em casa durante a faculdade? Por que a faculdade oferece oportunidades que o ensino doméstico não pode imitar? Assim seria com o ensino médio, se fosse feito da maneira correta.


Por que você escreveu isto?

(Normalmente redigido assim: você deve ser um fracassado para ainda sentir rancor do ensino médio.) Eu escrevi isto porque todos os meus amigos estão começando a ter filhos, e nos pegamos imaginando como poderíamos salvá-los dos horrores que enfrentamos na escola.

Então pensei sobre o que eu faria se, sabendo o que sei agora, tivesse que passar pelo ensino médio novamente. No meu ensino médio, as opções eram: ser popular ou ser zoado. Agora eu sei exatamente o que alguém teria que fazer para ser popular. Me peguei pensando: que besteria. Seria como ser um político, fazendo intermináveis horas de corpo-a-corpo para ser bem quisto. Então percebi que, mesmo sabendo exatamente o que fazer para ser popular, eu não conseguiria me obrigar a fazê-lo. Eu iria para a biblioteca, que nem da primeira fez em que fiz o ensino médio.


Como posso ser mais popular na escola?

Você tem certeza de que quer ser? Um dos pontos de Por que nerds não são populares é que os jovens inteligentes não são populares porque não desperdiçam seu tempo com as coisas idiotas que é preciso fazer para ser popular. Você quer começar a fazer coisas idiotas?

Fim

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domingo, 8 de agosto de 2010

Para passar no vestibular - História

Primeiro de tudo,o que a gente chama de História não é apenas uma sucessão de fatos, isto é consenso entre os historiadores. Aliás, esse consenso é metade do problema: todos concordam sobre o que a História não é, mas quando a questão é o que exatamente é a História, existe pouca concordância. Espero que você entenda a diferença.

A outra parte do problema é que nossa meta aqui é a preparação para um concurso público. O objetivo do concurso é selecionar os mais qualificados, baseado em critérios objetivos. Em um Estado democrático de direito, a banca do concurso deve respeitar nossa liberdade de opinião. Isso significa que a banca não pode considerar uma opinião certa ou errada. Se a resposta é X, mas o assunto admite uma segunda opinião, a questão tem que ser anulada. Por isso, as respostas têm que ser baseadas em critérios objetivos, ou seja, elas precisam ser comprováveis com base em dados concretos (materiais) e através do raciocínio lógico.

O que forma a objetividade de um tema não é o que diz o povo nas ruas, mas o que dizem os especialistas, de preferência os reconhecidos institucionalmente (os diplomados). E como, mesmo entre os especialistas, há muitas opiniões diferentes sobre um mesmo assunto, a questão da prova não pode dar muita margem a interpretação – porque o candidato tem liberdade de opinião, que lhe dá o direito de concordar com tal ou qual interpretação. Na verdade, não sendo especialista em História, o candidato nem tem obrigação de conhecer todas as vertentes interpretativas sobre o assunto. Por isso, a banca só pode cobrar na prova aquilo que é consenso entre os historiadores: ou seja, o que não é história.

Em outras palavras, os especialistas concordam que a História é mais do que decorar datas e fatos, que a História é uma interpretação sobre datas e fatos, mas como as interpretações são divergentes, a nossa única informação segura são datas e fatos. E algumas poucas interpretações que são consenso entre os especialistas.

São muitas datas, muitos fatos, numa realidade extremamente complexa. Para simplificar, tentamos fazer com que sigam um encadeamento lógico. Do tipo: “três fatores que provocaram o fato tal”, “três conseqüências do fato tal”.

Todos criticam a História decoreba, aquela em que você precisa decorar uma sucessão de datas e fatos. Nós historiadores a chamamos de História tradicional, ou de História positivista. Muito diferente da História dos historiadores. Mas o que cai no vestibular é justamente esta História tradicional, apenas um pouquinho melhorada. Em lugar de decorar os nomes e datas da História tradicional, precisamos conhecer os processos sociais, dos quais os fatos parecem conseqüência lógica e necessária.

Por exemplo, em vez de ensinar que Luís XVI demitiu Necker e precipitou uma rebelião popular na França em 1789, preferimos dizer que a economia francesa estava em crise, o que precipitou uma rebelião popular na França, em 1789. Na verdade, nenhum dos dois fatos tem mais valor explicativo do que o outro, depende apenas do ponto de vista de quem explica. Mas pelas características do concurso, preferimos a segunda explicação, por ser mais generalizante.

Como então decorar este monte de coisas? Agrupando-as. Assim, fica um número menor de informações para se trabalhar. Depois, você vai esmiuçando cada grupo, se embrenhando pela hierarquia dos temas, até que um assunto te leve a outro próximo. Pegando um de cada vez, fica mais fácil memorizar.

Por fim, existem duas categorias de “coisas” que é preciso saber: fatos e conceitos. Na minha opinião, os conceitos são mais agradáveis de se estudar, porque são mais abstratos e aplicáveis a diferentes situações. Dão à História uma aparência lógica, deixam-na fácil de entender. Mas é preciso ter em mente que os conceitos são construídos com base em fatos. Se não conhecemos os fatos, nossos conceitos não têm nenhum valor. E o conhecimento de novos fatos nos permite contestar os conceitos, pô-los à prova e aprimorá-los.

Portanto, atenham-se ao que a História tem de objetivo. Há certos temas que são apaixonantes, outros são revoltantes, muitos, intrigantes, mas não há espaço em uma prova de “marcar xis” para debater estes assuntos.

domingo, 26 de abril de 2009

A crase

Na Língua Portuguesa, muitas pessoas têm dificuldade na aplicação da crase, e tenho visto pessoas de bom nível cultural cometendo esses erros, sobretudo em textos informais da internet, como blogs e orkut. Entrtanto, uma vez que se entende o fenômeno, a aplicação da crase se torna fácil, natural, e mesmo em casos mais complicados, a própria pessoa consegue sanar a dúvida por meio de raciocínios simples.

Muito desta dificuldade atribuo ao que chamo de Português apostilesco, ensinado em nossas escolas -- um estilo voltado à resolução de provas, que ao abordar o assunto enfatiza macetes e "pegadinhas", e se esquece de consolidar o conceito. O aluno, ou o ex-aluno que carrega esta lacuna em sua formação, deve se esforçar em escrever corretamente no dia-a-dia, e rapidamente verá como a crase "sai" naturalmente. Vamos a ela.

Para começar, eu diria que a crase não é um fenômeno da escrita, mas do pensamento que antecede a escrita, e que se manifesta no papel sob a forma de acento grave.

Chama-se crase a junção de duas letras -a. Arbitrou-se em nossa língua não escrever vogais dobradas, por isso não existem palavras com aa. Quando isto acontece, a união dos dois -a é indicada pelo acento grave (`), cuja única função em português, atualmente, é indicar a ocorrência de crase.

Antigamente, além da crase, o acento grave era usado para indicar que havia um acento agudo no radical de palavras derivadas que tivessem a sílaba tônica deslocada por um sufixo. Por exemplo, em "obviamente", a sílaba tônica é -men-, mas como na palavra original, "óbvio", o acento está no primeiro -o, escrevia-se "òbiviamente". A crase, por sua vez, é a união de duas vogais. Falando tecnicamente, portanto, o erro que se comete não é "no emprego da crase", mas no emprego do acento. A pessoa viu crase onde não tinha, e empregou o acento grave erroneamente.

Pois bem, a crase pode ocorrer em dois casos:

1º- Quando a preposição "a" antecede o artigo definido "a". Daí, escreve-se "à" (ou "às"). É o feminino de "ao".

2º- Quando a preposição "a" antecede a palavra "aquele" (pronome demonstrativo), ou uma de suas variações. O pronome contrai a preposição, e fica "àquele", "àquela", etc.

Nunca vi nem ouvi falar nada a respeito de uma possível alteração de pronúncia causada pela colocação do acento grave sobre uma vogal. Não é como o acento agudo, que transforma "e" em "é", "o" em "ó", e daí por diante. Poder-se-ia falar com uma voz mais grave, para fazer juz ao nome do diacrítico, mas eu, particularmente, sinto-me tentado a pronunciar "aa" quando leio um "à". Vejo algumas pessoas fazendo o mesmo, mas por puro idealismo, já que não há convenção formal a respeito. Em outras palavras, o erro no "emprego da crase" só se comete por escrito.

É necessária alguma prática na identificação das classes gramaticais para saber quando ocorre a crase - e daí empregar o acento grave apropriadamente.

É fácil saber quando aparece a preposição "a" em uma frase. Em geral, ela segue os verbos que rege, e é praticamente impossível usar um verbo com a preposição errada, uma vez que isto tira, ou muda radicalmente, o sentido do que se quer dizer.

Tomemos o verbo dar: você dá algo a alguém. "João deu o anel a Júlia". Se trocarmos a preposição, a frase muda de sentido: "João deu o anel de Júlia". Mudou o sentido da frase, e agora Júlia está puta com João. Júlia antes era núcleo do objeto indireto; virou complemento nominal do anel. Tem razão de não ter gostado.

Portanto, vimos como é fácil identificar o "a" preposição.

Quanto ao pronome demonstrativo, só um idiota não perceberia que há dois -a seguidos numa frase como "No fim de semana, fui a aquela praia." Ora, não se escreve "a aquela", mas "àquela". O resultado é "No fim de semana, fui àquela praia". Simples.

Então, afinal, qual a dificuldade no emprego do acento grave?

O problema reside no artigo definido. O artigo, não podendo ser núcleo de nada, cumpre sempre a função de adjunto adnominal. Sendo adjunto, não pode ser obrigatório. Porém, há situações em que o costume exige o emprego do artigo definido.

Nas aulas de Português apostilesco, reserva-se uma unidade inteira ao assunto "quando o 'uso da crase' é obrigatório" (o que vimos não ser lá muito correto, porque crase não se usa, ela simplesmente ''acontece''). Na realidade, o tema deste capítulo deveria ser "quando o artigo definido é indispensável." Ao deparar-se com a preposição "a", e sabendo se o artigo é indispensável, opcional, ou proibido, automaticamente se descobre se o acento grave será obrigatório, facultativo ou errôneo. Para concluir, vejamos alguns casos:

Sabemos que o artigo "a" somente define substantivos femininos. Portanto, nunca teremos crase antes de nome masculino. Dar qualquer coisa à João é errado. João é do gênero masculino, por isso só se pode dar as coisas a João.

Outro erro comum é "à ele". Erro duplo, porque ele é masculino, e porque não cabe artigo definindo um pronome pessoal -- ninguém diz "O ele está com fome." Da mesma forma, "Dizer à ela que isso e aquilo" não convém, porque se está colocando artigo onde não deve.

Substantivos próprios nunca são antecedidos por artigo. Por isso, seria errado "João deu o anel à Júlia", assim como o seria "Júlia devolveu o anel ao João". É um erro muito comum na fala de várias partes do Brasil, que induz ao erro na escrita.

Alguns nomes de lugares são precedidos pelo artigo, obrigando a crase, outros não. Veja os casos de Paris e França (faça você mesmo!).

Nas locuções adverbiais de tempo, mais especificamente, ao expressarem-se as horas, o acento grave nem sempre é obrigatório, veja: "Encontramo-nos às duas da tarde." -- "O encontro foi marcado para as duas da tarde." No segundo caso, a locução foi introduzida pela preposição "para", portanto só sobrou o -a do artigo. Repare neste último caso que, sem o artigo, a frase soaria estranha. E este é sempre o melhor indicador: se soar estranho sem o artigo, muito provavelmente este é indispensável.

Em breve posto uns exercícios sobre o assunto, prometo.